Pode até não parecer, mas até uns 10 mil
anos atrás nós, Homo sapiens, dividíamos a terra com outras espécies
humanas, como Homo soloensis, Homo denisova, Homo
neanderthalensis e tantos outros. Os primeiros de nossa espécie se pareciam
exatamente como nós, mas especialistas acreditam que suas habilidades
cognitivas – aprendizado, memória, comunicação – eram muito mais limitadas. Ou
seja, ensiná-los a falar português ou a compreender filosofia não levaria a
lugar nenhum, provavelmente porque sua estrutura cerebral interna era
diferente da nossa.
Durante muito tempo nós convivemos bem com esses “primos e primas”, ou “irmãs e irmãos”, mas aproximadamente 70 mil anos atrás o homo sapiens começou a fazer coisas diferentes e especiais, como barcos, arcos e flechas, lâmpadas a óleo e... fofocar. Pela primeira vez foi possível consumir, armazenar comunicar uma quantidade gigantesca de informação sobre o mundo, mais ou menos como uma internet antiga. Essa fase ficou conhecida como “a revolução cognitiva” ou, como eu prefiro chamar, a revolução da fofoca.
Qualquer pessoa sabe: é nas dificuldades que
surgem as grandes amizades e onde os laços se estreitam, e isso não é diferente
nos animais. Entre os chimpanzés é possível observar a formação de coalizões
baseadas em contato íntimo diário para disputar a posição de alfa, algo
parecido com nossas eleições, embora de forma bem menos democrática. Mas já
que ter contato íntimo com 50 indivíduos é quase impossível, esse parece ser o limite
desses grupos, afinal de contas dois macacos que nunca se encontraram, nunca lutaram
e nunca se alisaram não sabem se vale à pena confiar um no outro, muito menos
quem manda. É aí que surgem grupos diferentes que competem por recursos.
Vamos entender melhor essa situação com as
palavras do professor Yuval Noah Harari, em seu Best-Seller: Sapiens: Uma
breve história da humanidade, no qual esta postagem se baseia:
[...] as informações mais importantes que precisavam ser comunicadas eram sobre humanos, e não sobre leões e bisões. Nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca [...] Não é suficiente que homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles saber quem em eu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro. (HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. 51. ed. Porto Alegre: L&Pm, 2020. Tradução de Janaína Marcoantonio. Pg31)
[...] Todos os macacos mostram um ávido interesse por tais informações sociais, mas eles têm dificuldades para fofocar de fato. Os neandertais e os Homo sapiens arcaicos provavelmente também tiveram dificuldade para falar pelas costas uns dos outros – uma habilidade muito difamada que, na verdade, é essencial para cooperação em grande número. As novas habilidades linguísticas que os sapiens modernos adquiriram há cerca de 70 milênios permitiram que fofocassem por horas a fio. Graças a informações precisas sobe quem era digno de confiança, pequenos grupos puderam se expandir para bandos maiores, e os sapiens puderam desenvolver tipos de cooperação mais sólidos e mais sofisticados. (HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. 51. ed. Porto Alegre: L&Pm, 2020. Tradução de Janaína Marcoantonio, Pg 32)
Graças à fofoca nossa espécie pôde formar grupos maiores, de até 150 membros, muito mais fortes e especializados. Bisões, cavalos, barcos e ferramentas eram importantes, mas enquanto macacos, leões e humanos de outras espécies utilizavam a língua de forma primitiva, nós já estávamos preocupados em descobrir quem dormia com quem, quem era honesto, trapaceiro, ou quem do bando odiava quem. O resultado foi começo da civilização como conhecemos hoje, com todas as picuinhas típicas de uma grande família. Pena que a situação não acabou bem para as outras espécies.
Nos anos que se seguiram à revolução da fofoca todos os nossos “primos e primas”, “irmãos e irmãs” começaram a sumir. Alguns pesquisadores pensam que ocorreu miscigenação, visto que uma pequena parte do DNA das outras espécies humanas vive em nós, mas muitos acreditam que a extinção dos outros homos tenha sido a primeira limpeza étnica conhecida, e tudo graças à fofoca. Levamos a melhor inclusive contra o formidável Homo neanderthalensis (reconstituição ao lado), cujo tamanho do cérebro competia com o nosso, mas de força bruta muito superior
Infelizmente(?) até a fofoca parece ter limites (em torno de 150 indivíduos), inclusive nas organizações e nos negócios. Será que é verdade?